Metástase de carcinoma de células renais na bexiga diagnosticada a partir de ressecção transuretral após hematúria: relato de caso
Resumo
Introdução: Apesar do maior acesso da população a exames de imagem e consequente diagnóstico de câncer renal em estágios iniciais, continuamos a encontrar neoplasias em estágios localmente avançados e metastáticos.
Relato de caso: Relatamos um paciente admitido no pronto-socorro do Hospital Geral de Fortaleza com hematúria e retenção urinária. Após a realização de tomografia computadorizada e ressecção transuretral, o diagnóstico de metástase de carcinoma de células renais na bexiga foi confirmado com base nos resultados da imunohistoquímica.
Discussão: A metástase de carcinoma de células renais na bexiga é rara, com poucos casos relatados na literatura de apresentação sincrônica.
Considerações finais: Apesar de rara, devemos considerar a possibilidade de metástase de carcinoma de células renais em pacientes que apresentam hematúria, principalmente naqueles previamente diagnosticados com câncer renal.
Introdução
A incidência de câncer renal tem aumentado nas últimas décadas como resultado do maior acesso a exames de imagem entre a população em geral. Paralelamente a esse aumento da incidência, há uma clara redução da agressividade dos tumores no momento do diagnóstico.1,2
Apesar dessa mudança no padrão de apresentação dos tumores renais, continuamos a encontrar pacientes diagnosticados com tumores em estágios avançados devido a complicações locais ou sistêmicas de doença localmente avançada e/ou metastática.
O câncer de rim tem predileção por disseminação hematogênica para o fígado e os pulmões. A metástase para outros locais é mais rara, incluindo os ossos e o cérebro. Neste artigo, descrevemos um caso raro de metástase de câncer de rim para bexiga, com diagnóstico confirmado por ressecção transuretral da massa vesical após hematúria franca.3
Apresentação do caso
Em junho de 2020, uma mulher de 52 anos apresentou queixas de hematúria franca, disúria e episódios intermitentes de retenção urinária aguda. Relatava também hiporexia, adinamia, emagrecimento e dor intensa em hipogástrio e membros inferiores.
Em 21 de julho de 2020, realizou ultrassonografia transvaginal ambulatorial que revelou lesão suspeita de câncer de bexiga. Assim, após alguns dias de hematúria persistente, foi encaminhada ao pronto-socorro do Hospital Geral de Fortaleza, onde deu entrada no dia 3 de agosto de 2020.
Na admissão, queixava-se de hematúria, dor no hipogástrio e sensação de esvaziamento incompleto da bexiga. Realizou exames de soro que mostraram anemia com contagem de hemoglobina de 8,5g/dL, como único achado relevante.
No dia seguinte, realizou tomografia computadorizada com contraste de abdome, pelve e tórax. A imagem do tórax mostrou apenas achados inespecíficos de provável cicatriz infecciosa.
A imagem abdominal mostrava aumento do rim esquerdo com lesão sólida, expansiva, de contornos irregulares e realce heterogêneo pelo contraste, medindo 6,4cm em seu maior eixo, com envolvimento do ureter e da veia gonadal. Na pelve, foi identificada extensa formação expansiva na bexiga, de aspecto vegetativo e infiltrativo, com captação semelhante à associada à lesão renal e sinais de invasão da parede abdominal e dos ossos púbicos (Figuras 1,2).
Em 11 de agosto de 2020, a paciente foi submetida a cistoscopia com ressecção transuretral parcial de grande lesão vesical com aspecto não sugestivo de tumor urotelial. Os achados histopatológicos da peça ressecada sugeriram um carcinoma invasivo de células claras, e um estudo histoquímico imunológico foi planejado.
A avaliação imunohistoquímica mostrou carcinoma de células claras sem expressão de citoqueratina (CK)7 e CK20, além de positividade difusa para PAX8, sugerindo metástase do sítio renal primário.
Considerando um tumor renal metastático, o paciente foi classificado com base nos critérios do Memorial Sloan-Kettering Cancer Center Score for Metastatic Renal Cell Carcinoma como de alto risco, não havendo benefício da nefrectomia citorredutora.
A paciente recebeu alta em 2 de setembro de 2020, para acompanhamento ambulatorial com oncologista, médico paliativo e radioterapeuta. Realizou nova tomografia computadorizada de abdome e pelve no final de setembro de 2020, que demonstrou extensão da lesão renal para o músculo ileopsoas e presença de trombo em veia renal esquerda, além de múltiplos linfonodos retroperitoneais.
A paciente foi encaminhada para radioterapia anti-dor paliativa na pelve, com término em 27 de outubro de 2020. Em novembro de 2020, foi iniciada terapia sistêmica com sunitinibe. Atualmente, o paciente permanece em regime ambulatorial, em tratamento sistêmico e cuidados paliativos para controle da dor.
Esse envolvimento metastático da bexiga pode ser metacrônico ou sincrônico, sendo este último mais raro.4
Na maioria dos casos de metástases vesicais, o diagnóstico de tumores renais já está bem estabelecido, sendo raros casos como o presente caso em que o diagnóstico foi motivado por hematúria por metástase vesical. Ocorre mais comumente em pacientes com múltiplas metástases em outros órgãos e confere mau prognóstico.5
Kruck et al.6 relataram um caso semelhante a este em 2013, onde o diagnóstico sincrônico de metástase vesical e tumor renal foi motivado por hematúria. Na literatura há poucos casos relatados no cenário sincrônico, como neste caso.6–8
Para esses pacientes, o tratamento deve ser baseado na estratificação de risco de tumores renais metastáticos por meio de escores, como o Memorial Sloan-Kettering Cancer Center Score for Metastatic Renal Cell Carcinoma. Dependendo da classificação do paciente, a nefrectomia citorredutora pode ou não ser indicada, além da terapia sistêmica com inibidores da tirosina quinase ou imunoterapia.9
A metástase vesical pode ser tratada com ressecção transuretral ou cistectomia parcial, além do tratamento sistêmico. No caso apresentado, a ressecção foi apenas parcial e a cistectomia foi contraindicada pelo mau estado do paciente, sendo submetido apenas a tratamento sistêmico e paliativo.10
Apesar de rara, vale ressaltar a possibilidade de acometimento metastático da bexiga no câncer renal como causa de hematúria em pacientes com doença renal avançada. No presente caso, o diagnóstico diferencial entre um tumor de células renais avançado com metástase na bexiga de um tumor urotelial sincrônico de pelve renal e bexiga foi importante, uma vez que essas patologias correspondem a diferentes propostas de tratamento sistêmico.
Conclusões
Apesar da popularização dos exames de imagem e consequente diagnóstico de tumores renais em estágios iniciais, continuamos a encontrar diagnósticos em estágios muito avançados da doença, como neste caso, em que o paciente em questão, além da extensão local do tumor, apresentou metástase síncrona na bexiga evoluindo com hematúria macroscópica.
Portanto, é importante lembrar a possibilidade de metástase na bexiga em pacientes com tumor renal que evolui com hematúria.
Conflitos de interesse
O autor declara nenhum conflito de interesse.
Agradecimentos
Nenhum.
Financiamento
Nenhum.
Referências
1. Chow WH, Devesa SS, Warren JL, Fraumeni JF. Aumento da incidência de câncer de células renais nos Estados Unidos. JAMA. 1999;281(17):1628–1631.
2. Decastro GJ, McKiernan JM. Epidemiologia, estadiamento clínico e apresentação do carcinoma de células renais. Urol Clin Norte Am. 2008;35(4):581– 592.
3. Cronin RE, Kaehny WD, Miller PD, et al. Carcinoma de células renais: manifestações sistêmicas incomuns. Medicina (Baltimore). 1976;55(4):291–311
Discussão
Atualmente, a neoplasia renal é diagnosticada em estágios cada vez mais precoces na forma de alomas incidentes em pacientes assintomáticos que realizam exames de imagem de rotina. A proporção de pacientes com doença localmente avançada ou metastática no momento do diagnóstico vem diminuindo.1
A disseminação hematogênica do câncer renal ocorre mais frequentemente no fígado e nos pulmões. O envolvimento de outros órgãos ocorre em menor grau, incluindo os ossos e o cérebro. Locais raros de metástase incluem a tireoide, pâncreas, baço e pele, entre outros.3
A metástase vesical representa menos de 2% de todos os tumores neste órgão. Metástase de tumores renais para o bla